terça-feira, 9 de outubro de 2012

Dormir pouco afecta a imunidade, mostra estudo

A importância do sono para o bom funcionamento do sistema imunológico é conhecida, mas pouco se sabe sobre os mecanismos envolvidos. Uma nova pesquisa acaba de mostrar como diferentes tipos de privação de sono interferem nas defesas do organismo.


Para simular situações comuns na sociedade, na primeira fase da pesquisa os cientistas submeteram voluntários tanto à privação total por 48 horas – similar à que ocorre com pessoas que trabalham em sistema de turnos – como à privação selectiva de sono REM, fase do sono em que prevalecem os sonhos, por quatro noites seguidas.

«Nas últimas décadas, houve uma diminuição progressiva e importante na média da duração do sono, principalmente na segunda metade da noite, quando prevalece o sono REM», disse Francieli Ruiz da Silva, autora principal do estudo.

O trabalho, orientado por Sergio Tufik, foi realizado no Instituto do Sono, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão apoiado pela FAPESP.

«O objectivo foi avaliar a alteração no perfil imunológico dos voluntários causada pela falta de sono. Para isso, realizamos um leucograma – exame que mede a quantidade de leucócitos no sangue – antes e depois da experiência», disse Ruiz.

Ao longo de uma semana, 30 voluntários saudáveis, entre 18 e 30 anos, permaneceram no laboratório distribuídos em três grupos. Os do grupo de controlo dormiram normalmente e tiveram o seu padrão de sono monitorizado através do exame de polissonografia. Os integrantes do grupo submetido à privação selectiva também tiveram o sono monitorizado e foram acordados por uma campainha todas as vezes que o exame indicava a aproximação da fase REM.

«A primeira noite foi tranquila, mas à medida que a procura do organismo por sono REM foi se acumulando, começou a tornar-se cada vez difícil. Esse estágio aparecia cada vez mais cedo, efeito conhecido como rebote de sono REM. Na quarta noite, os voluntários mal adormeciam e já entravam na fase REM», contou Ruiz.

Já o grupo da privação total manteve-se alerta por 48 horas com a ajuda de videojogos, jogos de cartas, Internet e eventuais abanões. Nas três noites seguintes, dormiram normalmente e foram monitorizados pela polissonografia para registar o efeito rebote de sono.

Enquanto o grupo de controlo não apresentou alteração no perfil imunológico, como esperado, os voluntários do grupo submetido à privação total tiveram uma elevação no número de leucócitos, especificamente de neutrófilos, o primeiro tipo celular que responde à maioria das infecções. Também houve aumento de linfócitos T CD4, responsáveis pela imunidade adaptativa, específica para cada doença.

«Considerando que os leucócitos desempenham a função de defesa ao primeiro sinal de invasão por patógeneos, observamos que a privação total de sono desencadeou um sinal de alerta no organismo. Ele entendeu como uma agressão e respondeu a um fantasma», disse Ruiz.

Essa alteração foi invertida após as primeiras 24 horas de recuperação do sono. «Mas, para nossa surpresa, o número de linfócitos não voltou ao normal após as três noites de recuperação», contou.

No grupo privado de sono REM, foi observada uma diminuição da imunoglobulina A no sangue durante o período. Esse efeito permaneceu após as três noites de recuperação do sono. «Essa imunoglobulina, presente na secreção de mucosas, está directamente relacionada com a protecção contra a invasão por patógeneos. Isso poderia explicar por que a privação de sono REM poderia estar relacionada com uma maior susceptibilidade a doenças como gripes e constipações já descrita na literatura», disse.

Numa segunda fase da pesquisa, realizada com animais, os cientistas do Instituto do Sono investigaram os efeitos da privação de sono no desenvolvimento de resposta específica a um desafio imunológico. «Precisávamos de um estímulo que desencadeasse uma resposta vigorosa e optamos por um modelo de transplante de pele entre duas linhagens diferentes e geneticamente incompatíveis de ratos de laboratório», disse Ruiz.

Nesse modelo, de acordo com Ruiz, a rejeição do tecido enxertado pelo organismo do receptor é certa. Mas, enquanto os animais do grupo de controlo levaram entre 8 e 10 dias para expelir o tecido estranho, aqueles submetidos à privação de sono, seja total ou apenas da fase REM, levaram entre 15 e 18 dias. «Isso representa um aumento de 80% no tempo de esperança de vida do tecido, o que equivale ao efeito de drogas imunossupressoras como a ciclosporina», disse Ruiz.

Para entender o que estava a causar o prejuízo na resposta imunológica, os pesquisadores analisaram os órgãos linfóides dos animais e verificaram uma redução de 76,4% no número de linfócito T CD4 no grupo submetido à privação de sono REM. No grupo que sofreu privação total, a queda foi de 34% em relação ao grupo de controlo.

«Os linfócitos T são essenciais para que o processo de rejeição aconteça. Eles são activados pelas células apresentadoras de antígeneos e migram dos órgãos linfóides para a região afectada, onde desencadeiam o processo inflamatório que culmina com a rejeição», explicou Ruiz.

As análises mostraram que nos dois grupos houve redução de aproximadamente 40% no número de linfócitos T no enxerto, ou seja, havia menos células de defesa na região. Isso pode ser explicado por uma menor expressão da molécula MHC 2, essencial para a comunicação entre as células e os linfócitos. Além disso, houve redução de 40% na quantidade de receptores para a interleucina 2 (IL-2) no sangue.

«Quando o linfócito migra para a área afetacda, precisa de proliferar para atacar o tecido. Para isso liberta a IL-2, principal mediador para essa proliferação. Portanto, uma menor quantidade desses receptores no sangue indica menor proliferação de linfócitos e prejuízo ao processo de rejeição», disse Ruiz.

Para ter certeza de que o possível stress causado pela privação de sono não estava por trás da imunossupressão, os pesquisadores avaliaram os níveis de corticosterona no sangue dos animais.

«Essa hormona, nos rtos, é o equivalente ao cortisol em humanos. Como os níveis não estavam mais elevados nos roedores privados de sono do que no grupo de controlo, acreditamos que o stress não tenha interferido nos resultados», afirmou.

O próximo passo da pesquisa é investigar por que a privação de sono diminui a expressão de MHC 2 e a proliferação dos linfócitos. Além disso, Ruiz pretende investigar, durante o pós-doutoramento o efeito da privação de sono na imunidade de pessoas que trabalham por turnos e trocam o dia pela noite. «A literatura indica que o sono durante o dia não é tão reparador como o nocturno. A nossa intenção é vacinar esses voluntários e ver como a inversão dos períodos de descanso interfere na imunização», disse.

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