Um aumento da procura na Alemanha, por via de salários e/ou investimento
público mais elevados, pode não levar a uma subida das exportações dos
países do Sul da Europa, mas “pode ajudar a reduzir a pressão sobre a
taxa de câmbio do euro, facilitando o acesso aos mercados globais para
os exportadores na periferia”, argumenta o comissário europeu dos
Assuntos Económicos.
Num longo comentário publicado nesta segunda-feira no seu blogue, Olli Rehn,
comissário dos Assuntos Económicos, sinaliza que a Comissão Europeia
deverá nesta quarta-feira abrir um procedimento para passar a acompanhar
de perto o elevado excedente corrente alemão. Rehn considera que a sua correcção para valores inferiores aos mais de 6% do PIB que
tem exibido desde 2007 terá benefícios mútuos para a Alemanha e para o
conjunto da Zona Euro, em especial para os países da periferia que,
perante o excessivo endividamento público e privado, precisam de
exportar para crescer.
Se a Alemanha tiver uma relação comercial e financeira mais
equilibrada com o resto do mundo isso pode “melhorar o seu desempenho
económico e bem-estar e pode ajudar a reduzir as desigualdades que se
acumularam nos últimos anos”. Em simultâneo, acrescenta Rehn, “teria um
impacto positivo significativo sobre a economia da Zona Euro”.
Porquê? Porque embora um aumento da procura na Alemanha possa não
levar a um aumento das exportações dos países do Sul da Europa, pode
“ajudar a reduzir a pressão sobre a taxa de câmbio do euro, facilitando o
acesso aos mercados globais para os exportadores na periferia”.
Antes de chegar a esta conclusão, o comissário europeu diz que é
preciso um debate sereno que evite posições extremadas entre quem vê uma
redução do excedente corrente alemão como uma receita quase milagrosa
para acabar com a crise no sul da Europa e quem encara os apelos nesse
sentido como um mero reflexo de inveja face ao extraordinário desempenho
da economia alemã. “Estes extremos traduzem uma simplificação ingénua
de uma realidade complexa e acabam por matar qualquer debate sério”,
afirma, sublinhando a necessidade de uma discussão sólida, numa altura
em que as negociações sobre o programa de governo do novo Executivo
alemão ainda estão em aberto.
O comissário sistematiza depois as quatro principais razões que
estarão por detrás do elevado excedente corrente da Alemanha, que neste
ano ultrapassou o da China e fez disparar as “sirenes” em Washington,
possivelmente porque a Zona Euro como um todo passou também a ter um
saldo positivo com o exterior, enquanto os Estados Unidos agravaram a
sua posição deficitária na sua relação comercial e financeira com o
resto do mundo.
Euro oferece câmbio mais favorável do que o marco
A primeira, diz, reside na própria criação do euro que “impediu que a
taxa de câmbio alemã se apreciasse para reflectir os seus amplos
excedentes”. Ou seja, sendo uma moeda forte, o euro é ainda uma moeda
menos forte do que seria o marco e, nessa medida, tem apoiado a
competitividade das exportações alemãs.
Em segundo lugar, a integração das cadeias produtivas com países da
Europa Central e Oriental permitiu à Alemanha “diversificar e beneficiar
um grande reservatório de mão-de-obra qualificada e relativamente mais
barata. Em terceiro lugar, a integração dos mercados financeiros e a
convergência das taxas de juros levou os fluxos de capitais
internacionais a espelharem estes desenvolvimentos em conta corrente.
Olli Rehn sublinha, ainda, o acerto das escolhas da Alemanha que se
especializou a fazer bem e a preços competitivos produtos que o resto do
mundo quer (o que explica as elevadas exportações de mercadorias). Ao
mesmo tempo, tem uma população que, sabendo estar a envelhecer, tem
privilegiado a poupança para assegurar consumos futuros, consumindo
menos no presente (o que explica as baixas importações).
Os fluxos financeiros explicam, porém, boa parte da posição
excedentária da Alemanha. “Cerca de um terço do excedente
corrente alemão pode ser explicado pelo retorno dos activos acumulados
no exterior nos anos anteriores à crise, quando o excesso de poupança na
Alemanha e noutros países do centro da Europa foi redistribuído pela
Zona Euro e por destinos mais longíquos". Consequência? Em vez de terem
sido dirigidos para aumentar o investimento e, nessa medida, para
aumentar o potencial de crescimento na Alemanha, estes fluxos acabaram
em grande medida por alimentar os "booms" de crédito e as bolhas,
designadamente imobiliárias, nos países beneficiários desses fluxos
financeiros.
"Esse erro de avaliação do risco foi prejudicial para ambos os lados:
a explosão catastrófica das bolhas que atingiram as economias
periféricas levaram a perdas para os próprios bancos alemães, que se
somaram aos custos suportados pelos investimentos em activos tóxicos nos
EUA. Enquanto isso, o investimento na Alemanha caiu de 21,7% do PIB em
2000 para 17,6%, uma proporção significativamente menor do que noutros
países da zona do euro".
Em face desta análise, o comissário sinaliza que Bruxelas poderá
abrir um procedimento por desequilíbrio macroeconómico contra a Alemanha
ao lembrar que, já em Julho, a Comissão Europeia instara o país a
desbloquear os entraves que impedem um crescimento mais robusto da sua
procura interna. Em particular, lembra Olli Rehn, "a Alemanha deve criar
condições para o crescimento sustentado dos salários, reduzindo, por
exemplo, os altos impostos e contribuições para a segurança social,
especialmente para os salários mais baixos".
No rescaldo da crise das dívidas soberanas que ameaçou seriamente a viabilidade do euro, a Comissão Europeia apertou os mecanismos de controlo dos défices e dívida públicos,
mas passou também a acompanhar um painel mais vasto de indicadores para
tentar corrigir e antecipar outros focos de tensão na Zona Euro e no
mercado único da União Europeia. Neste contexto, as regras europeias
recomendam que os excedentes correntes não ultrapassem o equivalente a
6% do PIB. Segundo Rehn, esse valor tem vindo a ser superado pela
Alemanha desde 2007. Mas, ao contrário dos défices da balança corrente,
os excedentes não deverão conduzir a sanções pecuniárias – a sanção, a
existir, será, portanto, de natureza moral - porque "não levantam
preocupações sobre a sustentabilidade da dívida externa ou sobre a
capacidade de financiamento" do país.
In' Jornal de Negócios
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