segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Prostituição ganha contornos alarmantes

Prostituição, a profissão mais antiga do mundo, ganha contornos preocupantes em Mbanza-Congo e Soyo, na província do Zaire. A prática das trabalhadoras de sexo no Zaire cresce assustadoramente nos dias que correm. Os locais de maior concentração do “negócio” secular são os bares, pensões e centros recreativos. Para algumas “profissionais” de sexo, abordadas pela nossa reportagem, a real causa do fenómeno, bastante visado às noites, é o desemprego, enquanto outras evocam o desamparo familiar originado por divórcios e separações de famílias.

As autoridades sanitárias do Zaire confirmam a existência do “ofício”, de forma atabalhoada na região. O doutor João Miguel Paulo “Geovety”, director provincial da Saúde no Zaire, revelou ser muito preocupante o quadro actual da prostituição, não apenas em Mbanza-Congo, como também no município petrolífero do Soyo.
Mbanza-Congo, 12 de Janeiro de 2010. Os ponteiros do relógio assinalavam 21 horas em ponto. Altura em que a nossa equipa de reportagem fazia a travessia da avenida do mercado municipal à pensão Bar com o apelido de “Bercy”, sítio bastante movimentado ao cair da tarde. Angolanas e congolesas da RDC ficam horas a fio neste recinto, para fins recreativos, com sabor lucrativo. Músicas de astros congoleses, como Koffi Olomide, Werrason, Ferre Gola e Fali Ipupa, dominam as noites até amanhecer. À chegada, Fernando Neto, do JA, que se ocupou da fotografia, viu-se limitado de exercer a arte, devido à fragilidade do Flash da máquina, pois o sistema de iluminação usual, próprio de bares e Boites, era impróprio para a captação de imagens nítidas no interior, onde homens e mulheres soltavam gritos estridentes com movimentos de dança nas esquadrias, à moda do Congo.
Olhares de sedução eram dirigidos com precisão, atractivamente, para qualquer visitante que frequenta o local pela primeira vez. Como a missão era descrever a efervescência das noites de Mbanza-Congo, decidimos mudar para o Bar dancing “Vicas”, a 200 metros do local inicial, onde encontrámos pessoas humoradas, com simpatia sexual, o seu ganha-pão. Por cada canto e mesa, divisava-se gente acasalada, como dizem os brasileiros. Foi fácil familiarizarmo-nos com as trabalhadoras de sexo, mas difícil conseguir as entrevistas.
Mas, pela vitalidade do tema metemos o dinheiro em jogo, para saborear uma skol e primus, cervejas de origem congolesa (RDC). Antes, ninguém ousou aproximar-se junto de nós, por receio de sermos autoridades e da máquina fotográfica que transportávamos. Como o dinheiro fala todas as línguas, convidamos três delas para nos darem os detalhes da vida que optaram como forma de sobrevivência. Pagamos as cervejas, para atrair a conversa. Por sorte, as três jovens, angolanas de nacionalidade, que se adaptaram ao ambiente do tipo congolês, não se coibiram. Acederam ao convite. Nzuzi Matondo, jovem que aparenta ter 27 anos, confessou que decidiu enveredar para a prostituição há cerca de 15 dias, depois da separação com o marido.
Contou que arrecada em média diária seis mil kwanzas, valor com o qual garante o seu sustento e da filha. “Cobramos entre 2.000 mil kwanzas por acto, “uma rápida”, ao passo que para uma noite de sexo são necessários 5.000 mil kwanzas”, disse.
A outra amiga, identificada por Cláudia, de 18 anos e moradora do bairro 11 de Novembro, revelou ao nosso matutino ser trabalhadora de sexo há mais de 30 dias. Disse ser órfã de pai e mãe. A falta de apoios financeiros fez com que ela optasse pela prostituição. Cláudia, nesta altura, negou-se a ser fotografada. Momentos depois do seu enquadramento no convívio, Cláudia, por livre e espontânea vontade, aceitou a fotografia. “Parei nessa vida a convite de uma amiga que me trouxe aqui nesta pensão, onde consigo algum dinheiro para sobreviver”, disse. Ela reconhece não ser fácil a vida de uma prostituta, tendo em conta ao risco de contracção de doenças transmissíveis sexualmente. Isto, acrescentou Cláudia, é aliado ao comportamento de alguns clientes que depois do acto sexual se recusam a pagar. Um jovem contou que depois do acto sexual foi retirado, à força, uma peça de pano e um telemóvel que a minha amiga levava na pasta situação que, na altura, gerou reboliço entre o rapaz e as amigas da jovem. Ela explicou que obriga sempre o uso do preservativo aos seus clientes, para se proteger do Sida.
O “JA” apurou que tem sido frequente as trabalhadoras de sexo serem assediadas com avultadas somas de dinheiro para consumar o coito sem o uso de preservativo, o que tem sido fatal na propagação da doença na região.

Casos de sida

A província do Zaire notificou, em 2009, 395 casos de VIH-Sida, que originaram 15 óbitos, com maior relevância para o município petrolífero do Soyo, que diagnosticou 208 casos, com 12 óbitos. A situação, no entender do director provincial do Zaire da Saúde, João Miguel Paulo Geovety, inspira sérios cuidados, como o reforço das medidas de precaução em toda a extensão da província.
Contactado por telefone, o doutor Geovety sublinhou que, desde a implantação dos CATV- Centros de Aconselhamento e Testagem Voluntária, a província do Zaire conseguiu controlar 1.352 pessoas seropositivos. “ Fruto disto, felizmente, nota-se agora uma grande adesão da população aos CATV, apesar de prevalecer o estigma. Não é agora que vamos conseguir parar o estigma”, explicou Geovety, para quem decorrem acções de sensibilização no Zaire, através de palestras, cartazes, programas radiofónicos e televisivos, que têm servido para despertar as atenções da população sobre os perigos da doença e as formas de precaução.

Bispo do Zaire reage

O bispo da diocese de Mbanza-Congo, Dom Vicente Carlos Kiaziku, manifestou-se contra a prostituição como forma de ganhar a vida. Apelou à juventude e à sociedade em geral no sentido de se absterem da prostituição, atendendo as consequências decorrentes deste comportamento indecoroso, nomeadamente a perda da dignidade pessoal, o desprezo por parte dos membros da sociedade e a proliferação das doenças sexualmente transmissíveis.
O bispo disse ainda que as pessoas devem abster-se da prostituição, não apenas por temor às doenças sexualmente transmissíveis mas também por amor às suas famílias. “Se tivermos cristãos capazes de influenciar as próprias filhas, famílias, amigas, a pautarem por uma conduta moral digna e prestarmos o apoio económico possível, estaríamos a jogar um papel importante na diminuição da prostituição”, sublinhou.
Segundo ele, as pessoas com falta de uma formação moral sólida e que não acreditam em determinados princípios, pobres do amor na vida conjugal, acabam por frequentar locais de prostituição.
O interlocutor notou que os homens como as mulheres, para terem a sua condição de vida salvaguardada, devem consentir sacrifícios na forma de ganhar o pão para a sobrevivência e devem aceitar o valor da fidelidade ao seu parceiro. “Não respeitando estes princípios, acabam por cair na devassidão”, asseverou.
Para ele, ser prostituta não é apenas ir à rua, mas também a troca constante de parceiros sexuais, mesmo que não seja por motivos económicos.

Análise sociológica

O sociólogo Jeremias Timóteo disse que a prostituição é considerada como o oficio secular da humanidade, tendo em conta o impacto de satisfação emocional que o homem procurou desde os tempos mais idos.
“A prostituição é uma prática de troca de prazeres sexuais, sem sentimento de amor, motivado por factores de foro sócio económico. É um problema que deve ser analisado profundamente noutros campos do saber, tais como a psicologia e a teologia, mas a verdadeira causa que faz com que as pessoas pratiquem a prostituição tem a ver com as dificuldades de obtenção de meios para a sobrevivência no dia-a-dia”, frisou.
Jeremias Timóteo notou que pelo facto de Mbanza-Congo estar situado numa zona fronteiriça com a RDC, país apoquentado por uma elevada pobreza, algumas mulheres dali provenientes, aderem à prostituição como uma das formas fáceis para garantir a sua sobrevivência. O sociólogo referiu que “não basta definirmos a prostituição como tendo origem em questões socioeconómicas, mas por falta de ética e princípios de conduta digna”.

Fonte: Jornal de Angola

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